A Igreja oferece, na liturgia, a
melodia da palavra e da oração para ritmar os passos da vida humana. Como na
música, o tempo forte da dança da vida é dado pelo domingo, o Dia do Senhor, no
qual se fazem presentes, de forma excepcional, os grandes mistérios do Cristo,
em Sua Morte e Ressurreição. Os mistérios como a Encarnação do Verbo de Deus
e Seu nascimento em Belém, a vida em Nazaré, no maravilhoso recôndito da
família, a pregação do Evangelho, o chamado dos discípulos, os milagres, a
entrada na vida cotidiana das pessoas, a prática do seguimento de Jesus na
experiência dos santos, tudo isso é apresentado durante o ano para que as leis
da oração e da fé iluminem os passos dos cristãos e contribuam para chamar
outras pessoas à mais digna aventura humana, acolher Jesus Cristo, n'Ele
acreditar e fazer-se discípulo.
Neste final de semana, a delicadeza da
providência nos põe diante dos olhos a festa da Exaltação da Santa Cruz, a
festa de Nossa Senhora das Dores e o diálogo de Jesus com Seus discípulos,
quando da profissão de fé feita por Simão Pedro (Mc 8,27-35). É tempo
privilegiado para discípulos de ontem e de hoje se decidirem.
A cruz, terrível instrumento de suplício, quando
o Corpo Santo do Senhor a tocou, tornou-se sinal de salvação, causa de glória e
honra para todos os seres humanos. Olhar na fé para o Senhor, que foi elevado
da terra, é estrada de graça e de vida (Cf. Nm 21,4-9; Jo 3,13-17). O apóstolo
São Paulo, que não conhece outra coisa senão Jesus Cristo, e Jesus Cristo
crucificado (Cf. I Cor 2,2), identificou-se de tal modo com este mistério que
pôde dizer: "Com Cristo, eu fui pregado na cruz. Eu vivo, mas não eu, é
Cristo que vive em mim. Minha vida atual na carne, eu a vivo na fé, crendo no
Filho de Deus que me amou e se entregou por mim” (Gl 2,19-20). Para ele, a
escolha foi feita e caíram todos os laços com o passado: “Quanto a mim, que eu
me glorie somente da cruz do nosso Senhor, Jesus Cristo. Por Ele o mundo está
crucificado para mim, como eu estou crucificado para o mundo” (Gl 6,14).
A Igreja canta com alegria e não
esmagada pelo peso da cruz: “Quanto a nós, devemos gloriar-nos na cruz de Nosso
Senhor Jesus Cristo, que é nossa salvação, nossa vida, nossa esperança de
ressurreição, e pelo qual fomos salvos e libertos”. Ao iniciar a Páscoa, na
Quinta-feira Santa, proclama sua convicção, retomando a proclamação da glória
da cruz: “Esta é a noite da ceia pascal, a ceia em que nosso Cordeiro se
imolou. Esta é a noite da ceia do amor, a ceia em que Jesus por nós se
entregou.
Esta é a ceia da nova aliança. A
aliança confirmada no Sangue do Senhor”. A cruz de Jesus é estandarte de vida a
ser alçado em todos os lugares, como sinal da presença dos homens e mulheres de
fé. A vida resplandece onde o Cristo morto e, depois, ressuscitado - “Victor
quia victima - Vencedor porque vítima” (Santo Agostinho, em Confissões X, 43) -
se faz presente!
Aos pés da cruz de Jesus, estava Sua
mãe, Maria, mulher altiva na sua fé (Cf. Jo 19,25-27), fiel até o
fim para dizer seu segundo 'sim'; desolada e depois glorificada. Anos antes,
havia recebido o anúncio da espada de dor a transpassar seu coração pela
palavra de Simeão (Lc 2 34-35). A Igreja celebra a sua “festa”, pois vê, em seu
mistério profundo de dor e de entrega, o chamado que se dirige a todos os
homens e mulheres. Com ela somos chamados a permanecer de pé, firmes diante de
todo o mistério do sofrimento existente na vida.
Os discípulos de Jesus, Pedro à frente,
percorreram muitas e exigentes etapas em sua formação (Cf. Mc 8,27-35) para
chegarem a vislumbrar o mistério de Cristo. Pareceu-lhes sempre difícil
entender que havia uma lógica diferente quando esperavam um messias vitorioso,
capaz de destruir todas as forças inimigas do bem. E a trilogia deste final de
semana se conclui com a provocação, oferecida pela Igreja, a que, mais uma vez,
as pessoas de nosso tempo se decidam a percorrer uma estrada diferente. “A
lógica de qualquer projeto humano de conquista do poder é luta-vitória-domínio.
A lógica de Jesus ao invés é: luta-derrota-domínio!
Também Jesus lutou - e como lutou! - contra o mal no mundo. Com efeito, o
título de Jesus Cristo ressuscitado – “Senhor” – é um título de vitória e de
domínio, de modo que chega a criar uma incompatibilidade com o reconhecimento
de outro senhor terreno; mas se trata de um domínio não baseado na vitória, mas
na cruz” (Cf. Raniero Cantalamessa, “O Verbo se faz Carne”, no prelo, Editora
Ave-Maria).
Concretizar esta escolha é apenas
decidir-se a sair de si para amar e servir, buscando o que constrói o bem de
todos, vencendo primeiro a si mesmo. Magnífica aventura! Vale a pena
experimentar!
Dom Alberto Taveira Corrêa (Arcebispo de Belém – PA)
Da redação
Canção Nova
Postado
por Jaynilton C. Rodrigues
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